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Cerca de uma dezena de organizações da sociedade moçambicana discutiram esta quarta-feira numa webinária a COVID-19 e o Estado de Emergência em Moçambique no âmbito da Cúpula alternativa dos Povos da SADC. O evento, que contou com cerca de uma centena de participantes, visou olhar para a militarização, repressão, questões de subsistência das pessoas, direitos humanos e corrupção, desde que se declarou o Estado de Emergência em Moçambique.

A conversa virtual teve lugar das 9h:00 às 12h:30 de Moçambique e contou com diversos posicionamentos de organizações e movimentos sociais que actuam em nosso país, todas partes da Aliança Moçambicana da Sociedade Civil C19. A webinária serviu para se colher perspectivas que farão parte de um documento final de recomendações da Cúpula dos Povos da SADC que será apresentado aos Chefes de Estado e de Governo da SADC e também para a imprensa

Na sua intervenção o Observatório do Meio Rural, representado pelo pesquisador Jerry Maquenzi, referiu que tem desenvolvido pesquisas e estudos em diversas camadas sociais com vista a apurar a dinâmica de rendimento e desemprego no contexto da Covid-19. Segundo Maquenzi houve aumento da taxa de desemprego nas zonas suburbanas, redução de despesas e as “desigualdades sociais agravaram-se mais neste novo contexto influenciado pela Covid-19”. Maquenzi insta o Estado moçambicano a olhar mais pelos pobres.

De facto, a classe trabalhadora foi deveras afectada com esta pandemia, tal como afirmou, Daniel Ngoque, um dos líderes da Organização dos Trabalhadores Moçambicanos. Ngoque afirmou que mais de 31.000 trabalhadores foram afectados, de diversas formas, pela conjuntura económica em seus postos de trabalho. Suspensão de contractos, perdas de trabalhos, redução de trabalhadores, férias colectivas, encerramento de postos laborais, rotatividade laboral e teletrabalhos são os “desastres” laborais trazidos pela Covido-19 no sector laboral. Diante desse cenário assustador, a OTM sugeriu que se subsidiassem os trabalhadores que tenham perdido seus postos neste período de Covid-19.

A OTM opina que o Instituto de Segurança Social deve intervir decisivamente, para suavizar o dano causado pela Covid-19. Em contraste, sectores do governo moçambicano fez-se valer do Estado de Emergência para fazer ajustes directos a empresas e fornecedores de serviços de forma não transparente, como afirmou Aldemiro Bande do Centro de Integridade Pública. Bande referiu-se a ajustes directos feitos pelo governo para, por exemplo, a realização de obras do sistema de saneamento das escolas; trata-se, no fundo, de uma crítica que a instituição já a apresentou em praça pública defendendo que o mesmo abre espaço à corrupção e à consequente realização de obras de má qualidade.

Da cidade de Quelimane Cândida Quintano, do Fórum Mulher, defendeu que a Covid-19 tem impactos alarmantes nas mulheres em todo o País. Salientou ainda que “é preciso reconhecer que as calamidades atingem de forma diferenciada aos homens e mulheres”. E por que as mulheres “resistem para viver e marcham para transformar”, o Fórum deixou recomendações ao Governo: “é necessário reconhecer o especial contributo da mulher no sector público e privado na luta contra a Covid-19” e desta forma proporcionar-lhes o apoio e as plataformas necessárias.

Sobre as medidas de estado de emergência em zonas rurais e em Cabo Delgado – que está altamente “militarizada”, Juvêncio Agostinho, da AJOCME disse que em Cabo Delgado há violação extrema de direitos humanos atrelada pela falta de acompanhamento das instituições de Estado. Agostinho fez ecoar as palavras do bispo de Pemba, Dom Luiz Fernando Lisboa, segundo as quais “Cabo Delgado está fora do controlo”. “O discurso político sublinha, sempre, uma onda de normalidade em Cabo Delgado, o que não constitui a verdade. O Governo deve parar e olhar com firmeza o assunto de Cabo Delgado”. Juvêncio classificou a Cabo Delgado como sendo um cúmulo de violência que compromete os direitos humanos no País.

Daniel Ribeiro, da Justiça Ambiental, afirmou que o conflito e a militarização devem ser sempre associados ao extrativismo. Com a militarização e a Covid-19 em Cabo Delgado, o orador disse que esta parte do país sofreu uma forte diminuição de números de postos de trabalho, com trabalhadores sem salário. Acrescentou outras dificuldades que a classe trabalhadora enfrenta em cabo Delgado, o que resulta em medo e desespero, para além constante intimidação.

Perito Alper da Acção Académica para o Desenvolvimento das Comunidades Rurais, falou das dificuldades que as comunidades rurais enfrentam na minimização das infecções pela Covid-19. Para ele, aquando da eclosão da Covid-19 “houve muita informação nas cidades e nas zonas rurais não houve essa difusão”. Todavia, a comunidade rural tem-se empenhado na busca de alternativas locais para combater e prevenir-se da Covid-19. É verdade que a tomada da Covid-19 como “doença dos outros” e a falta de valores monetários para a compra de produtos de prevenção têm dificultado por parte das acções de prevenção da Covid-19.

Tina Lorizzo, da instituição de pesquisa REFORMAR, falou sobre a cultura jurídica e punitiva aplicada neste período sob “domínio” do novo coronavírus. Destacou a violência policial, a Lei da Amnistia com o objectivo de criar o descongestionamento do Sistema Prisional, de modo a evitar a propagação do Coronavírus entre a população prisional e das desigualdades de tratamentos no âmbito do estado da emergência. Para Lorizzo com o estado de emergência, que originou a Lei da Amnistia, houve redução de 230 para 200% da populacao prisional.

Régio Conrado, em representação da plataforma Alternativa, analisou a questão da Covid-19 e ataques em Cabo Delgado. Para ele “A Covid-19, em Cabo Delgado, parece estar a ser minimizado pois há mais preocupação pela área militar”. Este académico tem denunciado a fragilidade do Estado Moçambicano no dossier Cabo Delgado e não só.

A Aliança Moçambicana da Sociedade Civil C19, representada por Cândida Quintano, falou  numa conferência de imprensa hospedada pela liderança da Cúpula dos Povos da Comunidade de Desenvolvimento da África Austral realizada no dia 20 de Agosto. Esta conferência de imprensa visou informar a imprensa sobre as deliberações da Cúpula dos Povos da SADC, ao mesmo tempo que apresentará as exigências dos Povos aos Chefes de Estado e de Governo da SADC, sob a forma de um comunicado. A Cúpula dos Povos da SADC de 2020 teve lugar de ‘forma virtual em Maputo’, Moçambique, de 18 a 20 de Agosto. Líderes de movimentos sociais e da sociedade civil de Moçambique, Lesoto, Zimbabué, África do Sul e Botswana falarão à imprensa.