Segundo simulações feitas pela UNU-WIDER[1], a crise da dívida em Moçambique resultou num aumento no índice da pobreza, de 46.1%, em 2014 a aproximadamente 60% em 2016. Isto representa uma reversão da tendência geral nas últimas duas décadas, e aponta para a fragilidade do nosso modelo de desenvolvimento económico (Figura 1). Na década anterior à crise, Moçambique registou um índice anual de crescimento em média de 7,5% do PIB. Porém, impulsionado por uma indústria extractiva intensiva em capital, o crescimento económico não se traduziu no melhoramento das condições de vida para a maioria dos moçambicanos.
Figura 1: % da população abaixo da linha da pobreza[2]
“A crise da Ematum” desencadeou a desvalorização do Metical e como consequência, a inflação. Em 2014-15 o custo da cesta básica aumentou 43%, e em 2015-16 46%[3]. Por tanto, o aumento no índice da pobreza é previsível; e foi levantado como uma preocupação durante a reunião do Comité Central da Frelimo em Maio deste ano. Nessa mesma reunião, que o antigo Ministro de Administração Estatal, Oscar Monteiro, sugeriu a expansão da protecção social num contexto onde o país encontra-se em situação de “Idai total”:
“A gravidade da situação requer medidas urgentes. E eu digo isto não porque sois apenas uma questão eleitoral, mas é uma questão de humanidade… Porque é que nós não começamos a distribuir dinheiro, usando a rede existente, ampliando, melhorando… Esse dinheiro não se vai perder… Esse dinheiro vai aumentar o consumo, vai encorajar a produção, vai financiar a recuperação, quer nas zonas afectadas (pelo Idai) quer num país num Idai total.”
No entanto, o Governo da Frelimo optou por não expandir o sistema da protecção social significativamente. Apesar de um aumento gradual das alocações orçamentais aos programas geridos pelo Instituto Nacional de Acção Social (INAS), Moçambique continua aquém das metas definidas pela Estratégia Nacional de Segurança Social Básica 2016-2024 (ENSSB). A ENSSB, aprovada pelo Conselho Ministros, prevê a expansão do sistema de protecção social a quase um milhão de moçambicanos até 2019, e 3.5 milhões de moçambicanos até 2024 (Figura 2). No entanto, os programas cobrem pouco mais de 600,000 agregados familiares[4].
Figura 2: metas de cobertura da segurança social básica[5]
A protecção social é um direito na Constituição da República de Moçambique e na Lei da Protecção Social de 2007 – o que reflecte o reconhecimento da sua importância para o desenvolvimento económico e social ao longo do ciclo de vida. Por exemplo, durante a gravidez, a protecção social pode garantir que a actividade económica não coloque em risco a saúde da mulher ou da criança, e que a função reprodutiva da mulher não prejudique a sua segurança de rendimento. Durante a infância, a protecção social pode reduzir a elevada incidência de desnutrição crónica, que prejudica o desenvolvimento físico e cognitivo da criança. Durante a terceira idade, a protecção social compensa a pessoa idosa pela perda de produtividade e a redução de remuneração com a diminuição da sua capacidade física devido ao envelhecimento. A ENSSB visa:
- Reforçar o nível de consumo e a resiliência das camadas pobres e vulneráveis da população através de modificações aos critérios de elegibilidade, a criação de um subsídio para a pessoa idosa e um para a pessoa com incapacidade funcional, e a expansão do programa de trabalhos públicos de mão-de-obra intensiva;
- Contribuir para o desenvolvimento do capital humano através da melhoria da nutrição e do acesso aos serviços básicos de saúde e educação das camadas pobres e vulneráveis da população através da introdução de um subsídio para crianças de 0 a 2 anos;
- Prevenir e responder aos riscos de violência, abuso, exploração, discriminação e exclusão social através de serviços de ação social e;
- Desenvolver a capacidade institucional para a implementação e coordenação do subsistema da segurança social básica.
Apesar dos seus objectivos louváveis, a implementação da ENSSB é só possível através de alocações orçamentais adequadas. O Fundo Monetário Internacional estima que o PIB irá aumentar 60% até 2024 devido principalmente a exploração de gás. A protecção social é um dos mecanismos ao dispor do Estado. Porém, os primeiros indícios os sectores sociais não serão a prioridade, a não ser que haja uma forte revindicação social. Em Outubro deste ano, por exemplo, o Governo anunciou que iria utilizar os $880 milhões em receitas extraordinárias vindas da aquisição da Anadarko pela Ocidental e Total S.A, para financiar as eleições, pagar as dívidas às empresas nacionais, suprir o défice fiscal decorrente dos estragos provocados pelo ciclone Idai e contribuir para as reservas orçamentais[6]. Como disso o abolicionista Frederick Douglass “O poder não concede nada sem demanda. Nunca concedeu e nunca concederá.”
[1]https://www.wider.unu.edu/publication/simulating-effect-households’-real-consumption-and-poverty-increase-prices-followed-2015
[2] MEF. 2016. “Pobreza e Bem-Estar Em Mocambique: Quarta Avaliacao Nacional. Inquerito Ao Orcamento Familiar 2014/15.” Ministerio de Economia e Financas: Direccao de Estudos Economicos e Financeiros, disponível em https://www.wider.unu.edu/sites/default/files/Events/Apresentação%20-%20Quarta%20Avaliação%20Nacional%20da%20Pobreza%20e%20Bem-Estar%20em%20Moçam.pdf
[3]http://www.iese.ac.mz/wp-content/uploads/2018/05/part3-2rcb.pdf
[4]https://www.ilo.org/africa/countries-covered/zambia/WCMS_722180/lang–en/index.htm
[5]https://www.unicef.org/mozambique/media/1281/file/Estratégia%20Nacional%20de%20Segurança%20Social%20Básica%202016-2024.pdf
[6]https://cipmoz.org/2019/10/06/um-olhar-sobre-as-mais-valias-decorrentes-da-venda-da-anadarko-a-total-ha-necessidade-de-transparencia-na-gestao-dos-recursos-provenientes-das-mais-valias/
Ruth Castel-Branco é doutoranda no Departamento de Sociologia da Universidade de Witwatersrand, e associada ao Centro Internacional de Desenvolvimento e Trabalho Digno. É membro do Comité Editorial d´Alternactiva.