
Na sequência da declaração do estado de emergência o Governo de Moçambique adoptou medidas para conter a propagação do Covid-19. Tais medidas incluem obrigatoriedade de quarentena para todas as pessoas vindas do estrangeiro, distanciamento social, suspensão de qualquer tipo de eventos de grupo, suspensão e cancelamento de vistos, suspensão dos serviços de interesse público, entre outros. Medidas específicas foram igualmente tomadas a nível de cada sector. O Ministério do Género Criança e Acção Social (MGCAS), emitiu uma circular anunciando medidas a tomar nas unidades sociais e na implementação dos Programas de Assistência Social face ao covid-19. As medidas anunciadas pelo MGCAS, que em princípio visam proteger os cidadãos moçambicanos em situação de vulnerabilidade, são genéricas e não tomam em consideração as necessidades específicas das pessoas com deficiência.
De acordo com os últimos dados do censo geral da população, a prevalência da deficiência em Moçambique é de cerca 2,6% (2% menor do que o censo de 2007). Esta cifra é vigorosamente contestada pelas organizações de pessoas com deficiência em Moçambique e está muito abaixo da média global, estimado em 15% da população de cada país. As pessoas com deficiência não são designadas como grupo de risco nos esforços do combate a pandemia do Covid-19. Contudo esta pandemia pode ter um impacto desproporcional significativo neste grupo populacional, porquanto existe uma grande probabilidade de que elas sejam portadoras de doenças subjacentes relacionadas à função respiratória, função do sistema imunológico, doenças cardíacas, diabetes, entre outros, que têm o potencial de exacerbar a sua condição de saúde, em caso de infeção pelo vírus corona.
Por reconhecer esta situação de vulnerabilidade a que as pessoas com deficiência estão expostas, a Organização Mundial de Saúde emitiu um conjunto de recomendações a este respeito para consideração dos governos nacionais. Igualmente a International Disability Alliance – um organismo que representa as organizações de pessoas com deficiência ao nível global – emitiu directivas e criou uma pagina específica com recursos sobre como incluir as pessoas com deficiências durante a pandemia. Em jeito de eco, o Fórum das Associações Moçambicanas de Pessoas com Deficiência, enviou uma carta aberta ao presidente da republica, Filipe Nyusi, apelando à Inclusão de Pessoas com Deficiência nas acções de prevenção e resposta ao vírus corona em Moçambique.
Estas medidas são muito importantes e devem ser seriamente consideradas. Contudo, é necessário um esforço de adaptá-las ao nosso contexto. Por exemplo, a prática do distanciamento social ‘nas unidades sociais e em outras actividades do sector’ recomendado pelo MGCAS num contexto em que as pessoas com deficiência não têm acesso a dispositivos de assistência, é de difícil cumprimento. Nem sempre é possível que as pessoas com deficiência apliquem o distanciamento social, pois, há casos em que o contacto próximo e físico é indispensável para sua sobrevivência. Uma pessoa com deficiência física, sem membros superiores, pode precisar de apoio para se alimentar. Pessoas com deficiência visual dependem do contacto com superfícies – que podem estar contaminadas – ou com outras pessoas que servem de guia, para se orientar no ambiente físico. Para as pessoas surdo cegas que usam comunicação táctil, o contacto físico é inevitável. Embora a prestação destes serviços de apoio as pessoas com deficiência é feita a nível informal – muitas vezes por membros da família – é necessário que a informação sobre distanciamento social seja difundida tendo em atenção as necessidades das pessoas com deficiência, e se adoptem medidas mais adequadas e que não coloque em perigo a sua vida e das pessoas que prestam apoio.
É necessária especial atenção para as pessoas com deficiência que já vivem em situação de risco. Como já é de domínio público, as pessoas com albinismo tem sido victimas de ataques em algumas zonas do nosso país com maior incidência no norte. O distanciamento social pode colocar estas pessoas numa situação de risco agravado de ataque sobretudo os idosos quando isolados do meio familiar, numa altura em que no Malawi, um dos epicentros destes ataques na região, está a preparar-se para uma nova ronda eleitoral – o trafico de órgãos tende a aumentar nestes momentos – depois de o tribunal constitucional daquele país ter anulados os resultados das ultimas eleições presidenciais, legislativas e locais. Requerem igual atenção as pessoas com deficiência psicossocial que se encontram na rua, bem como aquelas que se encontram institucionalizadas em hospitais psiquiátricos, estes últimos propensos a contaminações devido as condições de higienização pobres. Um guião com recomendações para proteção das pessoas com deficiência psicossocial foi emitido por organizações representativas e deve servir de referência.
Acesso a informação útil e credível para as pessoas com deficiência, tem sido um calcanhar de aquiles na actual resposta ao Covid-19, sobretudo numa altura de proliferação de fake news. O Ministério da Saúde tem assegurado a difusão da informação em língua de sinais, durante as conferências de imprensa de actualização do estado da pandemia do Covid-19 no país, um gesto de salutar. Contudo, é importante recordar aqui que as pessoas com deficiência não são um grupo homogéneo, e que por isso a informação deve ser difundida em formatos alternativos acessíveis para todas as pessoas com deficiência. Por exemplo, as pessoas com deficiência intelectual precisam de informação em linguagem simples e de fácil leitura. As pessoas com deficiência visual e ambliopes necessitam que a informação seja difundida em formato braile ou em formato aumentativo. O Instituto Nacional de Saúde criou uma plataforma online de centralização de informação sobre o Covid-10 em Moçambique, denominada #fica atento, mas infelizmente ela não é acessível para pessoas com deficiência. Não permite os usuários fazer o contraste e ampliar o tamanho das letras ou mesmo habilitar voz. Os documentos disponíveis na plataforma são cópias em formatos inacessíveis que não permite leitura de tela por parte de usuários com deficiência visual.
É necessário que medidas específicas sejam tomadas para proteger as pessoas com deficiência da pandemia do Covid-19. Este trabalho vai precisar de uma grande capacidade de inovação e criatividade, mais sobretudo de assegurar que as pessoas com deficiência, na sua diversidade, sejam consultadas fazendo jus ao lema ‘nada para nós sem nós’.
Jorge Manhique é doutorando em Política Social, Observatório da Deficiência e Direitos Humanos, Instituto Superior e Ciências Sociais e Políticas, Universidade de Lisboa. Email: jmanhique@edu.ulisboa.pt; @Wakamanhique