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Presidente de Moçambique Filipe Nyusi | VOA

O Presidente da República, Filipe Jacinto Nyusi, reportou os destaques e resultados da sua governação para o ano de 2018, relativamente às vertentes económica, política, social e (ligeiramente) ambiental, sumarizando que o estado da Nação era “estável e inspira confiança”. Um slogan cativante e um tanto enganoso, pronunciando sistemáticos optimismos alucinantes, tal como foi nos anos anteriores: “desafiante, mas encorajador” em 2017 e “apesar dos constrangimentos (…) mantem-se firme” em 2016.

Foi neste período “firme”, “encorajador” e “estável” em que se verificaram inúmeros incidentes e instabilidades sociais e económicos, dentre eles conflitos armados que perturbaram a paz no país; escândalos de corrupção na construção de infraestruturas públicas e de dívidas públicas ilícitas/ocultas no valor de 2.2 biliões de USD com envolvimento fraudulento, agora provado, de elites políticas; crescimento da inflação de bens alimentares; elevação do custo de vida (transporte, energia e água), implantação de megaprojectos com implicações ambientais e sociais devastadoras; elevado número de raptos a cidadãos nacionais e estrangeiros; agressões físicas a activistas, académicos e jornalistas; um apagão financeiro da SIMO e, para terminar 2018 em grande, a detenção do antigo Ministro das Finanças, Manuel Chang, na vizinha África do Sul.

No informe de 2018, o Presidente Nyusi sublinhou alguns dos principais indicadores macroeconómicos, vangloriando-se sistematicamente de um suposto crescimento económico no país, como se “crescimento económico” fosse um instrumento absoluto para uma análise completa de uma economia. É necessário esclarecer que o crescimento económico de um país representa apenas a variação percentual dos bens e serviços produzidos no país num determinado período de tempo, ou seja, a diferença do total produzido de um ano para o outro, em percentagem. Este indicador ignora factores sociais como o bem-estar da população, desenvolvimento humano e melhorias de condições de vida. Sugere-se, portanto, uma análise de indicadores económicos e sociais que foram ignorados no informe sobre o estado da nação, com uma abordagem distinta e talvez até mais realista.

Crescimento económico não inclusivo

Primeiro, é importante referir que o crescimento económico de que o nosso Chefe de Estado se orgulha é principalmente alavancado pela entrada de megaprojectos e outros investimentos externos, assim como pelas exportações das commodities por estes extraídas. Estes investimentos procuram matéria-prima a baixo custo para a sua própria industrialização e não a de Moçambique. Deste modo, verifica-se a consolidação de Moçambique como mero fornecedor de matéria prima (energia, gás natural, carvão mineral, areias pesadas, madeira, entre outros) que alimenta o processo de industrialização de economias emergentes, a custos bastante reduzidos. Em paralelo, Moçambique torna-se cada vez mais dependente destes investimentos e de outros recursos externos para suavizar a taxa de câmbio e permitir que as suas necessidades internas lhe sejam acomodadas: importação de alimentos e outros bens de consumo, bens de capital, combustíveis entre outros.

No entanto, ao analisar o impacto destes investimentos nos indicadores sociais e a nível local, notam-se implicações aquém das desejadas em termos de melhoria de vida da população ou de desenvolvimento do tecido económico nacional. Muito pelo contrário, verifica-se a usurpação de recursos da população local como terra, água e recursos florestais, deterioração da qualidade de vida dos camponeses deslocados para áreas de reassentamento, com limitada criação de emprego local e para nacionais, e aumento da pobreza rural. E ao longo deste processo todo, o Governo tendencialmente alinha-se aos interesses do capital externo e assume-os como prioridade de uma nação.

Ao analisar os beneficiários deste processo de implantação destes investimentos, identificam-se elites políticas a todos os níveis, seja pela reserva e venda de terras com grande potencial mineral, seja pela facilitação no processo de negociação dos contratos com multinacionais ou no processo de ocupação de terras. Mais grave ainda, verificam-se ganhos e privilégios aos investidores externos que gozam de reduções e isenções fiscais como uma das manifestações das alianças entre o Estado e o capital externo.

Sector “base do desenvolvimento” negligenciado

Neste contexto, procura-se reflectir profundamente sobre quais serão as prioridades do Governo e se estas estão alinhadas às necessidades da grande maioria da população moçambicana, dando enfoque a estrutura e alocação de recursos do orçamento geral do Estado. Sabendo, por exemplo, que – segundo o Plano Estratégico do Desenvolvimento do Sector Agrário (PEDSA) – a agricultura emprega 90% da força laboral feminina do país e 70% da força laboral masculina, significando que 80% da população activa do país tem ocupação no sector agrário, no entanto, do total dos recursos financeiros do orçamento geral do Estado, apenas 4.8% tem sido alocado para agricultura e desenvolvimento rural nos últimos anos. Em contrapartida, para o ano de 2018, o somatório das despesas de funcionamento da Presidência da República e da Assembleia da República (aproximadamente dois mil milhões de meticais – onde cerca de 50% destinou-se a compra de bens e serviços para estes órgãos) é aproximadamente quatro vezes maior que o somatório dos ministérios que atendem directamente ao sector produtivo que mais contribui para a renda familiar de 70% da população moçambicana (MASA e MITADER).

Diante deste conjunto de omissões, de desvios de realidade, de optimismo excessivo e de discursos triunfalistas no informe sobre o Estado da Nação de 2018, abordam-se alguns pontos que, se faltaram a memória de alguns, ou foram ignorados por outros, mas se sentem excessivamente na pele de muitos.

Omissões, desvios de realidade e contradições

Moçambique é um país rico em recursos naturais, mas que na exploração dos mesmos, se prioriza os interesses internacionais e marginalizam-se os nacionais. Consequentemente verificam-se controvérsias como: um país em que, o que mais se produz é alumínio, o que mais se necessita é comida; onde não produz o que se come porque “se vende” a terra a quem nos vende a comida; onde há quem não tenha o que vestir, mas se vende o algodão a quem nos vende vestuário; onde não se oferece bens e serviços a preços competitivos, no entanto fornece-se energia e outros recursos energéticos a custo baixo para alimentar a industrialização de países que nos vende maquinaria e bens de capital com valor acrescentado;

O país transformou-se numa economia onde a agricultura deixou de ser priorizada como a base do desenvolvimento e os recursos naturais tornaram-se o cartão de visita do país sendo que “quem dá mais”, é quem explora.  Como resultado, acabamos sendo fornecedores de soluções para o desenvolvimento e para a acumulação de capital de actores/investidores externos enquanto o subdesenvolvimento urbano e rural multiplica-se internamente.

Estamos perante uma economia em que o Orçamento do Estado proporciona mais recursos financeiros para a aquisição de bens para a Presidência e Assembleia da República do que o total do orçamento direcionado ao sector da agricultura, o que mais contribui para a renda da maior parte da população e que tem o potencial de fornecer e abastecer as necessidades internas de alimentos. É uma economia onde o orçamento do Estado permite que o poder executivo ostente carros luxuosos enquanto que a grande maioria da população não tem acesso a transportes públicos. E o segmento que tem acesso a algum transporte público, é muitas vezes precário e deficiente.

Um país onde se aplicam 785 milhões de USD para a construção de uma ponte, considerada a maior ponte suspensa de África ligando Maputo e Katembe, incoerentes com as prioridades e objectivos de desenvolvimento do país, em que beneficia apenas a uma pequena percentagem da população do país, abrilhantando os olhares dos poucos que vivem aos arredores com o nascer de uma paisagem pseudo-metropolitana que apenas beneficia a alguns e já subtrai e continuará a subtrair o bolso de muitos.

Militarização e fortalecimento do aparelho repressivo

Credits: Lusa

O Orçamento do Estado suporta despesas que criam base de sustentação do poder nas zonas urbanas (subsídios em diferentes sectores da economia: combustível, pão, entre outros) para amenizar a emergência de protestos, enquanto que nas zonas rurais ainda se depende de condições climáticas favoráveis para se produzir o que se come: se não chove, não se produz e não se come.

Em caso de resistência e protesto, as respostas do Governo são sistematicamente a intolerância, desinformação e o autoritarismo assegurados por um conjunto estratégias do aparelho ideológico do Estado (canais de comunicação, sistema de educação, entre outros) e repressão militar, com o objectivo de se manter no poder. Alguém explica a racionalidade para, num país onde crianças morrem de desnutrição, as maiores despesas do Orçamento do Estado para os últimos anos irem para a defesa, polícia e inteligência? Por ordem de montante recebido, o Estado alocou mais verbas para Ministério do Interior; Forcas Armadas de Defesa de Moçambique; Serviço de Informação e Segurança do Estado; Comando Geral da Policia; e, Casa Militar.

Não é nossa especulação, mas a realidade denuncia a existência de uma elite governamental protegida pelo aparelho repressivo, constituída por (tal como Samora Machel o descreveu) uma minoria de reacionários que quer devolver o nosso país ao capitalismo, ao colonialismo, a opressão, a humilhação, a pobreza, ao racismo, a divisão, a dependência do imperialismo; … que quer conservar seus privilégios e quer manter como sistema: a fome, a nudez, a pobreza, a miséria”.

 

* Natacha Bruna é investigadora do Observatório do Meio Rural. É doutoranda no Instituto Internacional de Estudos Sociais (ISS), Erasmus University Rotterdam. É membro do Comité Editorial d´Alternactiva.

Edição: Boaventura Monjane