Apesar das condições agroecológicas favoráveis e suas potencialidades agrícolas, Moçambique continua a ser um dos países que se debate com a problemática da insegurança alimentar e desnutrição crónicas em grande parte da sua população, principalmente nas zonas rurais, onde a maioria dos alimentos são produzidos. Várias são as causas para esta situação. A mais urgente é a ausência de uma política alimentar nacional eficaz e verdadeiramente sustentável orientada para as necessidades da maioria do povo.
A ausência de uma política alimentar coerente, transversal aos sectores e agregando diferentes níveis de governação, tem condicionado o desenvolvimento do sector agrícola de vários países em África, e Moçambique não é excepção. Organizações da sociedade civil que actuam no ramo da justiça e soberania alimentar em Moçambique entendem que uma política alimentar e nutricional nacional é necessária e urgente. É necessária uma política alimentar que unifique as políticas sectoriais, elimine as contradições existentes e oriente o sistema alimentar de forma articulada e ambientalmente sustentável. Uma política alimentar e nutricional é necessária para fornecer orientações sobre como tornar as estruturas e sistemas de governação alimentar mais transformacionais, e beneficiar o país, através dos produtores e os consumidores de alimentos em Moçambique. O sector agrário moçambicano é caracterizado por falta de coerência aliada a constantes mudanças nas suas políticas, estratégias, planos e programas para o desenvolvimento do sector agrário como um todo, e consequentemente sucessivos falhanços na sua implementação, tornando o sistema alimentar nacional frágil e sem direção sob o ponto de vista de garantir o aumento e manutenção sustentável da produção, distribuição justa e o consumo de alimentos nutritivos suficientes e diversificados para uma dieta saudável da população.
Juntando-se a um processo continental, articulado pela Aliança Africana pela Soberania Alimentar (AFSA), organizações da sociedade civil que actuam no ramo da justiça e soberania alimentar em Moçambique promovem nos meses de Maio e Junho, dois diálogos nacionais de auscultação, partilha e debate, rumo a construção de uma política alimentar moçambicana centrada nas pessoas. O primeiro diálogo realiza-se quinta-feira, dia 13 de Maio de 2020, entre as 14h e as 16h30. O segundo diálogo terá lugar em Junho, ambos de forma virtual. Os diálogos são abertos ao público, e esperam contar com a presença de representantes de organizações produtoras, consumidores, distribuidores alimentares, instituições do Estado, movimentos sociais e organizações da sociedade civil. .
O primeiro diálogo tem como objectivo a troca de saberes, experiências e resultado inicial de pesquisas realizadas para explorar ideias sobre o tipo de Política Alimentar Nacional ideal que se ajuste ao contexto actual e fruto da produção alimentar em Moçambique. Os diversos intervenientes do sector alimentar em Moçambique irão contribuir para alcançar consensos para a elaboração de um estudo que visa a construção de uma Política Alimentar Africana.
O estudo pretende fornecer respostas, entre outras, às seguintes questões: (1) quais os principais desafios e lacunas relacionados com os sistemas alimentares em Moçambique, (2) como são os sistemas alimentares no meio rural e urbano, incluindo os padrões alimentares, (3) quais são as estruturas de governação em torno do sistema alimentar em Moçambique, (4) qual é o actual quadro legal e político nacional relacionados com os sistemas alimentares, (5) quais poderiam ser os principais passos e uma linha temporal realista para o desenvolvimento de uma Política Alimentar Nacional e, (6) como podemos assegurar que este processo seja centrado nas pessoas, equitativo, transparente, sensível ao género e que reflita as lutas e as exigências dos camponeses e dos consumidores nacionais.
Note-se que o sistema alimentar em Moçambique apresenta enormes desafios, em todas as suas componentes, desde o processo de produção, passando pelo armazenamento e distribuição, processamento até ao consumo, culminando nos elevados níveis de insegurança alimentar (que abrange cerca de 24% dos agregados familiares), de desnutrição (43% das crianças com menos de 5 anos de idade) e pobreza (46% da população). Grande parte destes desafios impostos ao sistema alimentar estão ligados às deficiências do sector agrário, em particular no que se refere às actividades agro-pecuária, pesqueira e florestal, com particular destaque para as suas funções de garantir a segurança alimentar e nutricional, e medicinal, nomeadamente: baixa produção e produtividade agrícola, deficiente gestão e controlo de doenças endémicas em plantas e animais, perda da qualidade e fertilidade dos solos, perda da biodiversidade, perdas pós-colheita e pós-captura, fraco acesso aos serviços de extensão, infraestructuras rurais e de apoio à pesca e um sistema de distribuição precário, limitado acesso a mercados, aos serviços financeiros e ao crédito rural, entre outros.
A etapa moçambicana faz parte de um processo de consultas, estudos e debates públicos a ter lugar em pelo menos 27 países africanos, e culminará no que será historicamente a primeira proposta de política pública submetida pela sociedade civil continental à União Africana.
Para mais informações:
Boaventura Monjane (Alternactiva): boa.monjane@alternactiva.co.mz
Isidro Macaringue (UNAC): isidromacaringue@gmail.com
Máriam Abbas (OMR): mariamabbas1502@gmail.com
Mateus Costa Santos (LVC): lvc.mateus@gmail.com
Vanessa Cabanelas/Rene Machoco (JA): vcabanelas.ja.mz@gmail.com; rmachoco.ja.mz@gmail.com
Organizadores