Um fundo soberano é uma espécie de conta poupança nacional, mas que tem gestores que não se limitam a despejar o dinheiro num banco local. O dinheiro está espalhado por todo o lado, numa gama de investimentos com vista a obter um rendimento decente. A longo prazo, o capital gerado pode ser utilizado pelas gerações futuras para infraestruturas públicas ou cuidados de saúde, esse tipo de coisas. Essa é a teoria.
Tais fundos são normalmente criados por economias fortemente dependentes de mercadorias, nomeadamente petróleo e gás. Pode haver muito debate sobre o ‘pico do petróleo’ à escala global, mas a nível nacional não se quer que os poços fiquem secos sem nada no banco para mostrar. Neste caso, a classe dominante provavelmente já há muito que roubou ou desperdiçou as receitas obtidas, deixando o tanque nacional a funcionar sem nada no banco.
Assim, vem Moçambique, um dos países mais pobres do mundo, com uma proposta de fundo soberano de riqueza que parece óptima no papel. Moçambique tem vastos depósitos de gás offshore que espera que sejam explorados em breve, prevendo-se que a produção tenha início em 2022. Os projectos são enormes, incluindo um projecto de 20 mil milhões de dólares por parte da grande petrolífera francesa Total. Os ganhos estimados para os cofres estatais poderão atingir perto de 100 mil milhões de dólares nas próximas décadas, o que anula a dimensão actual da economia de Moçambique.
O governo já assinalou esta ideia antes, mas o banco central já a concretizou com detalhes sobre como poderia funcionar. A sugestão é que 50% das receitas provenientes de ‘recursos naturais não renováveis’ fluam para o fundo durante as duas primeiras décadas após as torneiras terem sido abertas. Depois sobe para 80%, indo o resto directamente para o Estado. De acordo com a Reuters: “Segundo a proposta, o Estado poderia retirar até 4% das receitas do fundo do ano anterior se o seu próprio rendimento proveniente dos recursos naturais fosse pelo menos 10% inferior ao esperado. O governo controlaria o fundo, mas o banco geriria as operações e implementaria a sua política de investimento”.
Até aqui, tudo bem. Os fundos soberanos podem produzir grandes benefícios, como Francis Wilson, professor emérito de economia da Universidade da Cidade do Cabo, observou recentemente nesta publicação [Daily Maverick], na qual expôs o caso do lançamento de um fundo pela África do Sul.
A Noruega é geralmente considerada aqui como o padrão de ouro. Tem dois fundos soberanos, um que é o maior do mundo, gerindo mais de um bilião de dólares em activos, capital acumulado ao longo de décadas a partir de receitas de hidrocarbonetos. E tem sido uma força para o bem, desinvestida da indústria de combustíveis fósseis e afastada de empresas ligadas à desflorestação tropical.
A Noruega é também muitas coisas que Moçambique não é. A Noruega é um dos países mais ricos do mundo, Moçambique é um dos mais pobres. A Noruega tem um sistema político pluralista que tem visto o governo mudar frequentemente de mãos entre partidos, ou de poder partilhado em coligações. Moçambique é governado por um movimento de libertação, a Frelimo, que está no poder desde que o país se separou do domínio colonial português em meados da década de 1970. Num padrão observado noutros locais da região – Zimbabué, Angola, África do Sul – tal situação deu origem a uma cultura enraizada de corrupção e de má governação.
No último Índice de Percepções de Corrupção da Transparency International, Moçambique ocupa o 154º lugar num total de 183 países, mesmo à frente da Nigéria, o que diz alguma coisa. E, de forma pontual, muitos dos países com piores classificações são produtores de petróleo e gás. Para além da Nigéria, esta lista do fundo do barril inclui o Chade, Iraque, Congo, Líbia, Guiné Equatorial, Sudão e Venezuela. O petróleo simplesmente alimenta a corrupção e o desperdício nos países pobres com estados frágeis.
Moçambique, uma nação empobrecida, em conflito e com enxertos em vigor sob o regime de partido único, aspira a juntar-se às grandes ligas da produção de hidrocarbonetos. Além disso, tem uma violenta insurreição islamista na região norte, não muito longe dos campos de gás. Uma mistura inflamável, para dizer o mínimo.
Isto traz-me à mente um exemplo de outro fundo soberano de riqueza – o de Angola. Também uma antiga colónia portuguesa, Angola sob o MPLA no poder evoluiu para uma cleptocracia petro-estatal clássica, o seu fundo de riqueza soberana saqueado por membros do clã dos Santos, há muito governado.
Numa nota positiva, a mudança está no ar: José Filomeno dos Santos, filho do ex-presidente que dirigia o fundo soberano angolano de 5 mil milhões de dólares, foi recentemente considerado culpado, juntamente com outros três, de transferir 500 milhões de dólares para uma conta do Credit Suisse em Londres.
Resta saber se o fundo soberano de riqueza de Angola ainda pode ser utilizado para distribuir a riqueza petrolífera de forma mais equitativa entre a população mais empobrecida do país.
“Um fundo soberano de riqueza não é uma má ideia, mas teria de ser criado não para ser um mealheiro de elite, mas para investir fundos para intervenções a longo prazo, reduzindo a pobreza”, disse Alex Vines, um perito africano e director-geral para o risco, ética e resiliência no think-tank Chatham House, à Business Maverick. “Se é para trabalhar em Moçambique, aprender o que não fazer de Angola seria um bom começo”.
Se Moçambique tomasse a rota norueguesa com um fundo soberano gerido de forma transparente, isso seria óptimo. Dada a forma como a sua história espelha a de Angola, não é de se apostar. DM/BM
Tradução: Boaventura Monjane
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