Alternactiva

Quero pensar que muitos de nós já nos deparamos ou pronunciamos esta frase. Quando aparece alguém a exigir mais mulheres no campo político, vem a arguência: não adianta só ser mulher, mas precisamos de qualidade, queremos que esta realmente represente, que tenha capacidades. O que é legítimo, pois, seria indesejável só estar no campo político por apenas se ser mulher e mesmo assim reforçar as estruturas patriarcais e todas as formas nocivas de dominação, subalternização, inferiorização. Recentemente tivemos uma mulher deputada fazendo apologia a violação sexual a uma mulher.

A Alice Mabote emergiu na esfera pública nacional para nada menos, nada mais que para a candidatura a presidência do país. Infelizmente, por questões de procedimentos ou políticas, não conseguiu seguir. A sua candidatura estava sem dúvidas carregada de vários simbolismos: (i) por ser mulher (ii) primeira mulher a ousar candidatura a presidência da República de Moçambique, (iii) ser alguém, que apesar da rebeldia competente que lhe foi sempre característica, conhece os corredores do poder-Frelimo, é de lá onde brotou, embora há tempo que não se revê no mesmo.

Houve celebrações sobre a sua entrada no campo político como candidata presidencial. Mas, também, surgiram alguns questionamentos: ela continua tendo o capital político, social que possibilita uma candidatura que araste massas? Tem a qualidade desejável para o enfrentamento das estruturas rígidas do nosso campo político? E tantas e outras perguntas e comentários.

O que passou a chamar-me atenção nisto é a forma como o discurso sobre a qualidade, melhores contributos são extremamente direcionados para a mulher. Poucos questionam sobre a qualidade dos homens que temos na esfera política. É como se o ser homem já garantisse por si altas capacidades do fazer político, tornando estes quase que inquestionáveis. Já a mulher tem que passar por um grande corredor de aprovações. Parte do desafio, penso que é de provar a si mesma como capaz de enfrentar um campo tendencialmente masculino, provar a um grupo maior para a sua validação na entrada no campo e dai ter que lutar para provar continuamente a sociedade.

Por vários momentos foram vistas situações de tentativas de desmoralização das mulheres no campo político. Como sociedade, temos sido em grande parte complacentes com estas práticas. Já vimos um deputado na Assembleia da República a acusar uma deputada de ter dado “chá” (de calcinha) aos líderes da Frelimo ao ponto de estar na mesma legislatura com a filha, muitas mulheres vivem o fardo de descredibilização do seu progresso na carreira. A sua ascensão aos espaços de poder, tende a ser associada a possíveis favores sexuais que presta. Vale lembrar as tentativas de descredibilização da Stella Zeca aquando da sua nomeação a Governadora de Gaza. A Ivone Soares, deputada da Renamo e a Augusta Maita, Directora-Geral do INGC, apesar da destacável inteligência, engajamento profissional e competências que demonstram ter, são mais elogiadas pela beleza do que pelo trabalho. O machismo reside aqui também, no elogio sexualizado e erotizado direccionado às mulheres.

 

Estamos de novo em corridas eleitorais. Tive acesso a lista das pessoas indicadas a candidatura a governadores provinciais dos três principais partidos do país. A Renamo tem apenas uma mulher, a Frelimo três, o MDM uma. Isto é em um país maioritariamente feminino. Não sei como estão as listas para a Assembleia da República, mas imagino que ao exigir-se mais mulheres vai-se falar de qualidade, meritocracia, que estas não tem interesse e tudo o que for possível para legitimar o domínio masculino no campo político.

Como disse antes, não existe nenhum mal em sermos exigentes na qualidade de políticos a se ter. O problema para mim é quando direccionamos para um único lado: o da mulher. Deixa-se transparecer que há mérito, qualidade, inteligência em todos os homens que estão no campo político. Porém não é verdadeiro. O presidente Nyusi entrou na esfera política com que méritos? Com que nível de capital político? Podia ter algum capital no seio do partido, mas do ponto de vista das massas não o tinha, e ao que tudo indica, pouco mudou. Mas está lá e concorre novamente a presidência com todas críticas. É homem.

Samora Machel Júnior tem o seu fazer político muito pouco conhecido. Mais do que o fazer político, o Júnior tem quase nada do falar político que veio ao público. Mesmo assim conseguiu ser mobilizador e construtor de uma legitimidade pública que por mim não tinha nenhum fundamento, além de ser filho de Samora Machel e também, ser homem.

Podemos avançou com Mendonça. Quase seguindo a tendência que se globaliza de apostar em figuras do campo artístico, desportistas para o campo político, com a diferença de que em outros espaços, estas figuras têm influência que Mendonça (Dinho Xs) não tem, mas como sabe-se, Dinho é homem.

A Renamo tem Ossufo que para mim é um desaire muito grande em termos de liderança e carisma. Dlakhama podia ser melhor substituído. Mas o partido assim o entendeu e assim está sendo. É homem.

Estes homens e tantos outros que desfilam no nosso campo político só mostram que somos carentes de homens de qualidade na política. Mas quase que nunca exigimos a qualidade política dos homens. A mulher é que tem que ter as qualidades extraordinárias. Elas tem correr onde os homens caminham, e de vagar. Tem que voar quando estes começam a correr. Isto tem um lado latente: a política é masculina, todas as mulheres que lá quiserem estar, têm que se apresentar para além do que elas são. Têm que provar a todos que elas detêm tudo o que os homens parecem deter de forma natural: a qualidade, inteligência, capacidade, mérito. Precisamos de questionar e desmantelar esta estrutura.

Penso que no nosso contexto, o primeiro desafio é termos mulheres na política, desmasculinizando este campo. Para isso, mulheres precisam suportar mulheres, homens precisam remover a miopia que não lhes permite olhar e não ver o desequílibrio, ou então, deixarem de normatiza-lo. Em segundo, estas mulheres precisam ser possibilitadas espaços de participação maior, onde as suas vozes sejam ouvidas. Em terceiro, penso que são necessários programas de mentoria as mulheres já existentes e as que ainda estão por entrar no campo, de modo que estejam para defender os direitos das mulheres e os direitos de todos nós para que não tenhamos mais mulheres a fazerem apologia ao estupro no futuro.

Sobre o Autor

*Membro do Comité Editorial d´Alternactiva. Coodenador da Men Engage Africa para área da Juventude em Moçambique; Coordenador Provincial da Rede Hopem, Nampula.

Uma resposta

  1. Ricardo. Ainda bem que te chocou. A intenção foi mesmo esta. Criar um desconforto crítico. Só assim podemos reiventar a nossa sociedade. Sigamos