Desde a sua invenção, a fotografia teve sempre um papel importante enquanto veículo de comunicação. Em Moçambique, a tradição fotográfica remonta aos tempos coloniais. A maior parte dos criativos Moçambicanos tinha nessa altura pouca ou nenhuma educação académica. Na sua maioria, os que seguiram o caminho da fotografia como arte, fizeram-no sem nenhuma noção do que era a arte.
Grosso modo, a fotografia nesses tempos era usada para retratar o pensamento dos fotógrafos, nomeadamente como forma de expressar a realidade cruel da colonização. Assim, a fotografia se foi tornando amiga dos Moçambicanos, ao ser utilizada como forma de preservar a memoria do passado, desempenhando esse papel importantíssimo de restaurar uma identidade perdida e de afirmar o presente.
Os registos fotográficos permitem que, tal como numa família, um país como Moçambique documente os caminhos percorridos ao longo da sua história, e assim criar referências para as gerações futuras. Como mencionado anteriormente, Moçambique teve sempre vários fotógrafos que produziram bastante obras fotográficas, contudo tais arquivos foram perdidos ou destruídos como uma forma de eliminar o testemunho de um passado cruel. A fotografia tem a função muito relevante de testemunhar realidades distantes.
Os arquivos fotográficos existentes hoje em Moçambique representam apenas uma pequena parte de todo acervo fotográfico produzido, por exemplo, durante o período da guerra civil (1977-1992). Com toda a história que se perdeu, narrada através das lentes dos fotógrafos Moçambicanos, perdeu-se também a nossa tradição de fotografar, de escrever poesia através da luz, de congelar momentos.
Com a chegada da fotografia digital, tornou-se hoje demasiado fácil fotografar porque as câmaras fotográficas e as filmadoras estão disponíveis em vários aparelhos mais modernos, nomeadamente telemóveis, tabletes, relógios, esferográficas, computadores, entre outros. A questão que se coloca, porém, é esta: até que ponto este “avanço” veio prejudicar o sector fotográfico profissional? Na sua maioria, a fotografia que se faz hoje em Moçambique perdeu o olhar poético e artístico. O uso da câmara como um instrumento de denuncia social e de preservação de valores familiares extinguiu-se. Hoje, a fotografia é usada para fazer imagens que possam auxiliar ideias de ostentação, principalmente nas redes sociais, sendo também fácil de enviar ou publicar instantaneamente. No tempo da fotografia analógica prevalecia uma perspectiva que envolvia o pensar e o analisar, sobretudo porque existia apenas uma película limitada (30 chapas). Cada fotografia feita era bem tencionada e acautelada. Hoje é muito mais fácil captar centenas de fotos, num curto espaço de tempo, e tem-se ainda a prerrogativa de editar a foto no computador.
Embora preocupante, não é de espantar o surgimento da nova geração de fotógrafos que olham para a fotografia com o objetivo único de ganhar dinheiro. Não se quer com isto assumir que adquirir rendimentos com a profissão seja mau por si só, mas é recomendável o fomento do gosto pela prática fotográfica como uma actividade de intervenção social, para mais tarde se aprender a viver dessa actividade.
Proliferam hoje em Moçambique “fotógrafos” de eventos sociais e festivos, muitos deles com fácil acesso a câmaras fotográficas sofisticadas, para além de outros equipamentos modernos de luxo, sem, no entanto, investirem no conhecimento artístico da fotografia. Isso acaba por comprometer não apenas esta modalidade, mas todo o país. Há testemunhos e casos de atropelos de diversa ordem, depreciativos em relação aos artistas que fazem verdadeira arte.
As redes sociais por sua vez não têm contribuído formar e difundir opiniões enganadoras para a nova geração de fotógrafos. Os jovens facilmente se emocionam pelo que veem nas redes sociais.
O papel do governo
O Ministério da Cultura, uma instituição de administração pública com competência para salvaguardar o patrimônio cultural e histórico do país, é chamado a desenvolver metas dentro de um Plano Nacional da Cultura que promova e apoie as artes, porque a cultura é um direito básico do cidadão. Cabe ao governo garantir que todos os Moçambicanos participam activamente em actividades culturais, facilitando o acesso a publicações, exposições de artes visuais, filmes nacionais, concertos musicais, acesso aos museus, entre outros. Não é dignificante que permaneçamos uma nação onde instituições públicas culturais são abandonadas, como é o caso do Museu Nacional da Arte. É contraditório que se anuncie diariamente desenvolvimento económico e construção de infraestruturas como estradas e ponte, incluindo bancos, mas nunca um Museu.
Uma sugestão seria, por exemplo, a conversão do Imposto do Valor Atribuído (IVA) ao apoio à arte e cultura locais. É preciso desmistificar a ideia de que apenas a música comercial é uma expressão artística e cultural válida. Somos um país com vários talentos em diversas áreas. O Governo é deve tomar responsabilidades por elas.
* – Mário Macilau é activista e fotógrafo Moçambicano. É membro do Comité Editorial d´Alternactiva.
Edição: Boaventura Monjane