Alternactiva

 

Conheço Chokwe, não de passagem, mas como um munícipe e cidadão activo. Se existe a grande narrativa de que Gaza é dominada pela FRELIMO, o distrito de Chokwe tem sido usado, ao longo dos tempos, como o templo para a reafirmação da narrativa. Uma mistura de fragilidade educacional e  das péssimas memórias da guerra civil faz de Chokwe um local de fácil instrumentalização da juventude para defender o grande partido nem que para isso recorra-se a violência.

Com a entrada do Movimento Democrático de Moçambique (MDM) no palco político moçambicano, a narrativa de Gaza como um território de total domínio da FRELIMO foi descarrilando. O MDM, antes das suas incongruências e um pouco de desorientação política, aparecia como uma terceira via que renovava as esperanças de alguns mais velhos e muitos jovens que já desconfiavam da FRELIMO e nutriam um grande ódio pela RENAMO.

Nas eleições autárquicas de 2008 o MDM conseguiu algo inédito: assentos na Assembleia Municipal. O Eliotério Mapsanganhe (Terinho) candito presidencial teve uma popularidade jamais vista naquele território para um membro da oposição. O Terinho é um jovem local, jogador de futebol, de elevada influência, por entre tantos factores, ser alguém que sempre investiu em locais de pasto para a juventude. O primeiro suporte que teve, foi exactamente deste grupo.

Houve intimidações e persuasões para que ele desistisse, mas nunca vergou. A sua atitude encorajou muitos jovens a saírem do arrumário político no qual sempre foram forçados a se manter. Quem experimenta a vida fora do arrumário, dificilmente volta. Assim foi com muitos jovens.

Em paralelo a isto, o Reffiler Boy ascendeu na carreira musical com críticas directas aos governos da FRELIMO e na lingua Changana, alcançando as pessoas muitas vezes excluídas. Falou com o povo, para o povo, usando a lingua deste. Entre prisões e intimidações seguiu firme, tanto que nas últimas eleições foi a bandeira da Nova Democracia, que também ganhou grandes simpatias no cicuito jovem, destruindo mais uma vez a narrativa de uma província de total controlo do partido FRELIMO.

Esta narrativa já vem se mostrando frágil e falsa. A FRELIMO sabe disto. Mas, a FRELIMO não aceita isto. E tudo indica que não irá aceitar. Aceitar esta narrativa é assumir publicamente a perda de legitimidade. Esta pode sofrer abalos em qualquer canto, mas, em Gaza, não, no Sul, não. Eis o pecado dos 18 jovens presos políticos. Tentaram desafiar o sistema. Tentaram desafiar o poder da FRELIMO, lutaram para destruir a ilusão da hegemonia do partido, uma ilusão necessária para a continuídade da sua relativa legitimidade, ainda que também seja ilusória.

Lembro-me que em 2011, com alguns amigos, organizamos um debate intitulado: Chokwe ontem, hoje e perspectivas para o futuro. Convidamos na época o Terinho (MDM), o antigo e falecido Presidente do Município, Macuacua (que não se fez presente e não deu explicações). O ginásio da Escola Secundária de Chokwe esteve lotado de pessoas, maioritariamente jovens sedentos de discutir o seu distrito. Houve tentativas de interrupção do debate por parte de alguns jovens do Conselho Distrital da Juventude (CDJ). Explicamos longamente que o encontro não tinha nenhum cunho político, era apenas algo de jovens querendo debater o distrito. Finalmente entenderam e o debate iniciou.

Dia seguinte voltei a Maputo. A minha mãe foi telefonada a nível do partido para me persuadir a não me envolver em coisas de partidos, pois, podia gerar más interpretações e os meus pais seriam também afectados. Foi orientada a falar comigo para que cancelasse o debate que pretendia realizar duas semanas depois do primeiro.

Não tendo visto isto como suficiente, dois dias depois convocaram ao meu pai para dar o mesmo recado. Na convocatória ao meu pai, este acabou dizendo que eu já era maior de idade e que podia responder por mim, o que não era de todo conveniente ter que chamar a ele e a minha mãe para este assunto. Terminou o encontro deixando o meu contacto e em seguida informou-me que seria ligado. Bem, a chamada nunca mais chegou. Mas o recado já lá estava. O segundo debate não ocorreu, o Director da Escola que nos cedeu o espaço foi removido das funções e bastante marginalizado.

O que está sendo feito com os 18 jovens presos políticos é uma grande chamada de atenção, não só para eles, mas para todos os moradores de Chokwe. É um freio a ousadia, é um desencorajar a cidadania, é uma negação a democracia. É uma inescrupulosa forma de manutenção da pseudo-narrativa do controle territorial por parte do Estado-FRELIMO.

Mas, como bem escreveu o Juma Aiúba, aquele não é só um problema dos 18 jovens, não é só de Chokwe, não é só de Gaza, é um alerta nacional para quem ousa desafiar o regime. O pior ainda, é um sinal claro da ascensão do autoritarismo, e o trágico, é indicativo de que jamais fomos democratas, e nem se quer existe este desejo por parte do Estado-FRELIMO. Entre manter o poder e fortalecer a democracia, a primeira opção sempre vencerá.

Temos um longo caminho pela frente. A curto prazo, temos o desafio de cidadania de exigir a liberdade dos jovens presos. A curto e médio prazo temos o desafio cidadão de exigir o direito de exercício da cidadania, a curto, médio e longo prazo temos o desafio de lutar pela democratização da nossa democracia. Uma democracia plena e não de exceção e conveniência como temos visto. Temos permanentemente o desafio de garantir um país onde todos os moçambicanos caibam e tenham o direito de participar politicamente de igual modo.

*Edgar Bernardo é membro do Comité Editorial d´Alternactiva. Coodenador da Men Engage Africa para área da Juventude em Moçambique; Coordenador Provincial da Rede Hopem, Nampula.