
No meio de uma das maiores crises ambientais do planeta, o biólogo americano Jeff Corwin, afirma que estamos actualmente a assistir e a viver uma catástrofe ambiental, na medida em que o Pulmão da terra, a Amazónia, responsável por cerca de 20% do oxigénio do mundo, está a arder há três semanas. A pergunta mais frequente e analisada nos últimos dias foi: Quem é o responsável? Diferentes respostas e análises foram endereçadas.
De entre as várias respostas, faz-se referência às mudanças climáticas, que têm fomentado nos últimos anos temperaturas extremas e padrões de precipitação mais irregulares, levando a períodos secos mais frequentes e alongados, o que neste momento facilita e intensifica o ritmo da propagação das queimadas. No entanto, o Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM), afirma que as queimadas na região não foram causadas apenas pela seca, mas também pelo desmatamento. Esta última causa, é das respostas mais popularizadas, e está assente na justificação do “business as usual” como a intenção e planos do Governo de Jair Bolsonaro em intensificar o agronegócio nesta área ou até a sede dos madeireiros em extrair madeira de forma ilegal. Ambas resultam na desflorestação da maior floresta tropical do mundo. No entanto, é necessário olhar para este acontecimento de forma mais holística e deslocalizada, englobando todas as inter-relações de causa e efeito na relação entre o ser humano, o ambiente e o clima.
Comecemos por referir que, as mudanças climáticas resultam da pressão que a emissão de gases de efeito estufa (GEE) tem na atmosfera, resultando na perda de ozono estratosférico, no aumento da temperatura na superfície da terra, mudanças nos padrões de precipitação, na elevação do nível do mar, no aumento da acidificação dos oceanos, entre outros. Este conjunto de efeitos resulta também no aumento da frequência e intensidade de eventos climáticos extremos, como as secas, cheias e ciclones – como exemplo, pode referir-se a recente ocorrência de ciclones em Moçambique, seguido por cheias intensas, como um dos efeitos das mudanças climáticas.
Sendo a Amazónia, a maior floresta tropical do mundo, ela é responsável por produzir uma proporção significativa do oxigénio do mundo, e também é uma das maiores áreas de captura de carbono. Desta forma, a Amazónia constitui um dos maiores trunfos para combater as mudanças climáticas, sendo assim, considerada uma das soluções para este problema. No entanto, com as queimadas, o carbono que antes era absorvido pela diversidade de árvores e vegetação da Amazónia é devolvido para a atmosfera. Ou seja, além de emitir mais carbono, a capacidade de reter o carbono que já existe na atmosfera reduz-se e, considerando que, actualmente já existem quantidades excessivas de dióxido de carbono (CO2) na atmosfera, este processo irá acelerar os efeitos das mudanças climáticas – ou seja, o que antes era visto como solução transforma-se num problema.
Pegada ambiental, mudanças climáticas e responsabilizaçã: A culpa é minha, a culpa é tua, a culpa é de todos nós
Quem é responsável pelos incêndios na Amazónia? Terão as mudanças climáticas intensificado estes incêndios? Quem é o responsável pelas mudanças climáticas? Na resposta à estas questões, existe apenas um denominador comum, o homem e a sua pegada ambiental – que constitui todo rastro, pressão e poluição ao ambiente.
A crise ambiental que se assiste hoje, é pura obra do ser humano. Cientistas referem que nos últimos dois séculos, 27% das florestas tropicais, 45% das florestas temperadas, 50% das savanas e 70% das pastagens naturais do mundo, foram convertidos em terras agrícolas, sendo a agricultura a maior impulsionadora da desflorestação em todo mundo. A produção pecuária, é responsável por uma proporção elevada das emissões de gases de efeito estufa – estima-se em cerca de 14.5% das emissões de GEE induzidas pelo homem. Do total das emissões da actividade pecuária, encontram-se o metano (44%) o dióxido de nitrogénio (29%) e o dióxido de carbono (27%).
Sem renegar a relevância da análise das causas directas deste acontecimento, muito menos ignorar os veículos explícitos da desflorestação como o agronegócio e a extração de madeira, seria um tanto quanto superficial e hipócrita não reconhecer que todo habitante (bípede) deste planeta tem a sua quota parte de responsabilização. O ambiente sou eu, és tu, o ambiente somos nós! Portanto, a culpa é minha, a culpa é tua, a culpa é nossa! Embora, essa responsabilização deva ser partilhada entre os indivíduos em diferentes proporções. Este exercício de autorreflexão é inspirado pelo acontecido na Amazónia, mas vai para além desta, na medida em que se engloba de forma mais completa as causas e veículos pelos quais a catástrofe e crise ambiental global é alimentada.
A intensificação do capitalismo, do extractivismo, da industrialização e do agronegócio constituem as causas directas da crise ambiental que se assiste hoje e sublinha-se a necessidade de se rever, repensar e destruir tais modelos de produção predatórios. Porém, não significa que devemos nos limitar a esperar que o sistema capitalista se culpabilize e se regenere. É necessário esclarecer que todo o ser humano tem uma pegada ambiental e de alguma forma contribui para a crise ambiental actual, uns mais do que os outros. Países industrializados tendem a registar maiores níveis de poluição e de pegada ambiental. Em zonas urbanas as emissões podem ser superiores que as emissões em zonas rurais. Porém, a crise ambiental afecta a todos, afectando maioritariamente os mais vulneráveis, que são, geralmente, os que menores pegadas ambientais apresentam. Deixando debates sobre injustiça climática de lado, constitui dever de todos não só exercer uma autorreflexão como também agir em prol do ambiente mesmo estando a contribuir menos ou mais para a crise.
Uma opção seria minimizar os danos pelo lado da procura, ou seja, mudar os padrões de consumo de forma a influenciar os modelos de produção (a oferta), onde cada indivíduo – que seja consumidor de produtos com altas taxas de emissão (como produtos alimentares como a carne, por exemplo, ou plásticos de economias industrializados ou emergentes como o Brasil e a África do Sul) – diminua o seu consumo.
De acordo com o INE, para o caso moçambicano, é de referir que cerca de 15% do total de importações agrícolas entre 2015 e 2018, referem-se à importação de produtos de origem animal (excluíndo peixes e crustáceos e outros invertebrados aquáticos). De entre estas, cerca de 90% da carne bovina, ovina e caprina é proveniente da África do Sul. No que se refere a carne suína, cerca de 64% é proveniente da África do Sul e 16% do Brasil. Relativamente à carne de aves, aproxidamente 25% é importada do Brasil e 10% da África do Sul. É notável a importância destes dois mercados como fontes de produtos de origem animal para Moçambique. Ou seja, de certa forma estamos a contribuir para a desflorestação nos países que nos fornecem esses produtos alimentares. Assim como, em Moçambique também se verifica desflorestação para estes fins, pelo que em menor proporção quando comparado com os restantes países em análise.
Portanto, se um indivíduo cuja alimentação é baseada essencialmente em carne e produtos industrializados deixar de comer ou pelo menos diminuir significativamente o seu consumo de carne, isso trará efeitos positivos para o ambiente. De que forma? Comecemos por analisar o teu contributo (sim, teu! Tu que nem se quer vives perto da Amazónia e não colocaste os pés nem fogo em nenhum canto dela) para este cenário que hoje se vive? Voltamos a análise da pegada humana, em particular no caso da Amazónia. Conforme referido anteriormente, e como foi também veiculado pela imprensa internacional, a principal causa das queimadas na Amazónia, está relacionada com o facto de haver a necessidade de limpar os terrenos (desflorestação) para aumentar as áreas para a produção pecuária assim como para aumento da produção de cereais para alimentação de gado. Christian Poirier, da ONG Amazon Watch, Alberto Setzer, cientista sénior do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) e Haley Brink, meteorologista da CNN, referem que os fogos deste ano encaixam-se num padrão agrícola sazonal estabelecido, uma vez que os agricultores esperam pela época seca para queimar e limpar as áreas para o pasto de gado. Ah, mas se for assim, então a culpa é do agronegócio (dos agricultores/empresas), eles é que são gananciosos e egoístas, e não pensam na consequência dos seus actos. Não, não é bem assim. Conforme referimos anteriormente, todos temos a nossa quota parte de responsabilização. Então, a culpa também é TUA. Mas porquê?
Para responder a isso, pensemos um pouco em economia básica: a lei de mercado estabelece que toda a procura encontra a sua oferta e, portanto, em equilíbrio, a procura é igual a oferta. Isto simplificado, significa que se a procura de um determinado bem aumenta, a oferta desse mesmo bem irá aumentar para responder a essa maior procura (neste caso, o bem é a carne). Então: TU que apenas desejas um prato de carne, pelo menos duas vezes por semana (sendo optimista), contribuis para o aumento da produção de carne. Como? Voltemos à economia básica: se o consumo de carne aumenta, a procura por carne também aumenta e, portanto, a oferta de carne aumenta. Considerando que a terra é limitada, por forma a produzir mais carne, é necessária mais terra. Qual a solução mais óbvia? Desmatar.
A desflorestação por si, conforme explicado anteriormente, aumenta a pegada de carbono no ambiente. Mas não parámos por aí – ainda se lembram que o objectivo de tudo isto é aumentar a produção animal, portanto:
- A desflorestação leva ao aumento das emissões de carbono, ao mesmo tempo que há menor captação do carbono já existente e futuro.
Ou seja, Desflorestação => carbono++
- Actividade pecuária – produção de carne – por outro lado, também contribui para o aumento da emissão de GEE (isto é, carbono+).
Então vejamos, como o consumismo individual nos leva a situações como a que está a acontecer agora na Amazónia:
O aumento do consumo de carne, leva ao aumento da procura de carne. Consequentemente, a produção de carne aumenta para responder a este aumento da procura. Sendo a terra limitada, como forma de aumentar a produção, o agricultor/empresário pode escolher, dentre várias opções a mais comum, expandir as suas áreas de produção, tendo como consequência a desflorestação. No entanto, é preciso ainda limpar essas terras para que o gado possa pastar e para alargar a produção de cereais destinado à alimentação dos animais, sendo que um dos métodos usados são as queimadas. Et voilá, chegamos a este tipo de situação em que temos a Amazónia a arder, o globo a aquecer e o planeta a destruir-se.
Então, paremos de nos desresponsabilizar pelas coisas que acontecem no mundo. A culpa é tua, é minha, é de todos nós. O planeta está saturado. Estamos num ponto, em que já não é possível voltar atrás e remediar os danos causados. Estamos numa fase em que apenas palavras e preces não irão resolver o problema que se coloca a nossa frente. É preciso AGIR! Cabe a mim, a ti e a nós, a partir de agora, tomar medidas e decisões mais sustentáveis e amigas do ambiente. Daí que surge a questão que, provavelmente, muitos de vós já se perguntaram: Como contribuir para um planeta melhor? Que medidas adoptar hoje, enquanto indíviduo, para um futuro melhor e sustentável?
Contributo individual para um planeta melhor: educação ambiental, reavaliação da pegada ambiental e mudança de hábitos
Nós estamos a viver no meio de uma catástrofe ambiental! – o que mais precisamos ouvir? O que mais precisa ser dito? Esta secção procura salientar uma opção mais eficaz do que “orar” por um planeta melhor. Para começar, é necessário que haja uma educação e reeducação ambiental para todos os grupos sociais e etários. Mas, mais do que nos mantermos correctamente informados sobre questões ambientais, é importante mudar de hábitos e repensar seriamente nos nossos padrões de consumo e no impacto que estes têm no ambiente. Neste artigo, focalizaremos na alimentação e no uso de plástico, que é de entre as medidas existentes, as mais alcançáveis, por ser o resultado de uma escolha individual e sob nosso próprio controle.
Para além da emissão de GEE para a atmosfera, desmatamento e ocupação de vastas áreas de terra, a produção pecuária também é responsável pelo uso de água em quantidades elevadas. Vários estudos sugerem que uma mudança para padrões alimentares ambientalmente mais sustentáveis (baseado principalmente em uma dieta alimentar maioritariamente vegetariana) pode levar a uma redução de cerca de 70% das emissões de GEE e 50% no uso da água. Refere-se ainda que de entre os cenários estudados (que incluíam diferentes tipos de dietas, desde a baseada apenas em plantas até a fortemente dependente do consumo de carne), a maioria mostrou uma redução na pegada ambiental derivada da substituição de alimentos animais por alimentos vegetais. Ora vejamos quanto se pouparia em água ao consumirmos menos dos produtos animais e derivados em comparação com a produção de alimentos vegetais:

Estudos mostraram que se um individuo deixar de comer carne por um dia, o mesmo poupará cerca de 1100 galões de água (aproximadamente 4200 litros), 20 kilos de grãos e cereais, 2.7 m2 de floresta, para além de reduzir as emissões de carbono. Imagine os efeitos de reduzir-se o consumo de produtos de origem animal durante um ano. Faça as contas!
A mudança na tua dieta alimentar é o contributo individual com maior impacto no ambiente. Porém, não o único. O plástico – desde os sacos plásticos que compramos nos supermercados, embalagens, utensílios domésticos, entre outros produtos – tem grande impacto no ambiente e constitui um catalisador das mudanças climáticas na medida em que o seu processo produtivo recorre a extracção de combustíveis fósseis como petróleo, carvão mineral e gás natural. O recente estudo do Center of International Environmental Law mostra que o plástico, em todo o ciclo de vida incluindo a produção, descarte e incineração, emite grandes quantidades de gases de efeito estufa, sendo que “em 2019, a produção e a incineração de plástico produzirão mais de 850 milhões de toneladas métricas de gases de efeito estufa – equivalentes às emissões de 189 usinas a carvão de quinhentos megawatts”, refere o relatório.
Portanto, enquanto indivíduo, outra forma de reduzir a sua pegada ambiental seria diminuir o uso de plástico, consequentemente, reduzir-se-á os resíduos plásticos no planeta assim como a sua incineração. Pense em quanto tempo uma garrafa de água leva a degradar-se: em média 450 anos! Sim, um produto altamente poluente, com altos níveis de emissão de gases: e é útil por 15 minutos.
O teu contributo individual não se deve limitar a solidarizar-se pelas perdas ou orar e esperar por uma situação melhor. É agir! Olhemos para os nossos hábitos e reavaliemos a nossa pegada ambiental individual. Que mundo queremos deixar para os nossos filhos, netos e bisnetos? Chega de consumismo egoísta, mudemos os nossos hábitos parasitas. Se não é pelos que vivem hoje, que seja pelos nossos filhos e netos que já nascem condenados a viver num planeta exausto, poluído, contaminado e destruído! Ou alternativamente, e com a maior hipocrisia, continuemos a comer bifes e a usufruir de materiais plásticos enquanto reclamamos de temperaturas extremas e calamidades naturais que se fazem sentir nos últimos anos.
O ambiente sou eu, és tu, o ambiente somos nós! A culpa é minha, a culpa é tua, a culpa é nossa.
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* Natacha Bruna é investigadora do Observatório do Meio Rural. É doutoranda no Instituto Internacional de Estudos Sociais (ISS), Erasmus University Rotterdam. É membro do Comité Editorial d´Alternactiva.
** Máriam Abbas é investigadora do Observatório do Meio Rural. É doutoranda ISEG, Universidade de Lisboa.